sexta-feira, 31 de julho de 2009

Nossos amigos íntimos de todo o dia


Entardecer na praça nova de São Pedro da Aldeia

Muitas vezes não sabemos nem o primeiro nome dos nossos "amigos íntimos", mas eles estão sempre presentes nos lugares que costumamos frequentar, esbanjando sorrisos e amabilidades por onde passamos.

Sempre alegres, parecem muito preocupados com as nossas vidas, zelando pela nossa felicidade. Anjos da guarda que vivem na periferia da nossa existência, eles participam ativamente de tudo que fazemos, chorando conosco as nossas tristezas, sorrindo estrondosamente com as nossas alegrias.

Podemos dizer, sem medo de errar, que esta turma faz parte de um bloco Maravilhoso de amigos anônimos que temos, pois estão sempre bem visíveis e presentes em nossas vidas.

Eles surgem em nosso dia a dia logo nas primeiras horas da manhã, em todos os dias da semana. Ao sair do meu apartamento encontro um dos meus "amigos íntimos", fazendo a faxina no andar:

"Tudo bem Zé?"

"Tudo..acordando mais cedo hoje hein ?"

Enquanto aguardava a chegada do elevador veio a pergunta:

"Onde anda aquela sua namorada de olhos grandes?"

Fiquei pensando de qual namorada de olhos grandes ele estaria falando.

"Até hoje tenho aquela revista que ela me deu sobre a floresta amazônica", disse ele.

Subitamente descobri que ele se referia a uma amiga que morava em Manaus, e quando estava no Rio vinha sempre me visitar. O elevador chegou e eu simplesmente disse:

"Qualquer dia ela vai aparecer".

"Sei como é...", disse ele bem baixinho, num tom bem íntimo e confidencial.

Já na rua, fui tomar o café matinal no bar de sempre, e alí também tinha outro "amigo íntimo".

"Vai para Friburgo? Deve estar frio lá, leva suéter."

"Vou para São Pedro da Aldeia".

"Então não precisa de agasalho, mas de roupas bem leves, beba muita água, e tome cuidado com o sol de lá."

"Com certeza", respondi.

O jornaleiro também fazia parte dos meus "amigos íntimos".

"Como eu gostaria de poder ir para a serra hoje com você...você é um felizardo...sua mãe está bem? De Um abraço nela".

Ele nunca havia estado com a minha mãe. Agradeci e peguei o onibus até a rodoviária. Já tinha visto o cobrador e o motorista, mas eles não eram íntimos, como era a dupla que me transportava todo o dia para o trabalho.

Ao chegar na Rodoviária Novo Rio, fui para os guiches da companhia que me levaria ao destino, a cidade de São Pedro da Aldeia.

Entrei na fila cujo bilheteiro era um grande "amigo íntimo". A empresa tinha dezesseis guiches para vender passagens, dos quais apenas uns oito estavam abertos. Já era melhor que nas agências bancárias, que quando tinham vinte guiches num local de trabalho, apenas uns dois funcionavam. Se eu entrasse em outra fila, e comprasse a passagem com outro bilheteiro, o meu "amigo íntimo" ficaria muito chateado. Seria uma ofensa. Quando ele me viu deu um baita sorriso, e gesticulou alegremente. Umas oito pessoas estavam na minha frente. Depois de um bom tempo, finalmente cheguei no guichê, e o meu amigo que já tinha tirado a passagem, foi logo dizendo:

"Poltrona 2, Friburgo."

"Puxa vida Zé... eu hoje não vou para Friburgo. Vou para São Pedro da Aldeia", disse meio sem jeito.

"São Pedro da Aldeia ?, gritou ele num espanto total. E num tom autoritário me fuzilou :

"Vai fazer o que lá ?"

"Eu simplesmente vou para São Pedro da Aldeia", falei sorrindo.

"Mas porque não vai para Friburgo? Se vai para São Pedro da Aldeia, é porque você deve ter um motivo muito forte. Ninguém vai para um lugar sem motivo algum. Sei disso porque trabalho há vinte anos vendendo passagens", falou ele.

"Minha namorada tem uma casa lá", respondi.

"Namorada ? Não sabia que você tinha uma namorada em São Pedro da Aldeia" falou ele, parecendo estar completamente aturdido.

"Não sabia, mas tenho".

"Porque não arranjou uma namorada em Friburgo?".

"Porque eu gostei da de São Pedro da Aldeia", respondi já meio contrariado.

O pessoal que estava atrás de mim na fila já começava a ficar impaciente. O sujeito ao meu lado resmungou:

"Que papo de maluco".

Uma mulher olhou para mim e disse:

"Acho melhor você arranjar uma namorada em Friburgo, porque senão a gente não vai sair daqui.

Um outro falou:

"Sujeito abusado e metido. Eu dava um porrada nele".

"Vai abandonar a sua mãe que mora em Friburgo?" perguntou o bilheteiro.

"Lógico que não...vou sempre a Friburgo também", respondi.

"Mas nunca mais irá com a mesma frequência lá ! Bom, já vi que vou ter de trocar mesmo a passagem, mas é bom que se lembre que lá para São Pedro da Aldeia os onibus estão sempre cheios, pois tem muito turista indo e vindo. Vou te arranjar a poltrona 18".

"Obrigado Zé...lamento estar indo para São Pedro da Aldeia, mas eu ainda vou de vez em quando lá para Friburgo".

"Já falou isso", dise ele meio aborrecido.

"Você é de Friburgo Zé ?", perguntei.

"Não..sou de São Pedro da Aldeia !"


[O autor, Wilson Gordon Parker, é escritor]

Um comentário:

MoniQuinha disse...

Uma palavra resume tudo, fora o fato de eu ter rido muuuuuuuuitoooooo:
SENSACIONAL!!!!!!!!!!!!!!!!!!