domingo, 11 de outubro de 2009

Uma Sabiá no vidro da minha janela


"Era uma Sabiá, aloirada, listras marrons, topete vistoso, olhos negros, elétricos, mas tristes. Ela se apoiava num vaso colocado no parapeito da janela, e bicava com força o vidro, passando a idéia que estava furiosa."

Tempos atrás, quando estava dormindo, enroscado num daqueles terríveis pesadelos, que às vêzes tomam conta da gente, acordei com o barulho de alguma coisa se debatendo no vidro que fica numa das janelas da minha casa na serra de Friburgo.

Uma zoeira inquietante.

Curioso, e já agradecendo o estranho hóspede por tirar-me do fundo do poço onde estava, perigosamente equilibrado na aresta vertiginosa que fica entre a vida e a morte virtual dos nossos pesadelos, levantei, e, curioso, fui ver quem seria o barulhento visitante.

Era uma Sabiá, aloirada, listras marrons, topete vistoso, olhos negros, elétricos, mas tristes. Ela se apoiava num vaso colocado no parapeito da janela, e bicava com força o vidro, passando a idéia que estava furiosa.

No princípio não me aproximei muito da janela para não espanta-la. Ela aolhava para cima, para os lados, e, subitamente, voava.

Eu não estava entendendo nada!

"Logicamente ela quer entrar", pensei.

Quando fui em direção à janela, ela voou para o galho de uma árvore em frente. Estava frio. Uma neblina tomava conta da manhã seca. O rócio ainda parecia cochilar nas folhagens. O silêncio cortava mais que o frio, parecendo o fio de uma navalha acariciando a nossa alma.

Os olhos da Sabiá estavam cravados em mim.

Senti um tremor estranho. Alguma coisa esmagava o meu peito. Era aquela dor angustiante que sentimos, quando perdemos alguém que amamos. Ela nunca avisa que vai chegar, sempre aparece subitamente, em qualquer situação ou lugar. Não importa se o céu está azul, os raios de Sol brilhando alegremente, a vida seguindo o seu curso normal, pois se a dor de uma paixão perdida surgir dentro de nós, ela o fará de forma cruel e total.

Os olhos daquela Sabiá me incomodavam.

Deixei a janela aberta para que ela entrasse.

Mas qual não foi a minha surpresa, quando ouvi mais tarde o mesmo barulho nos vidros. Mesmo com a janela aberta, ela continuava a bicar o vidro, numa bateção infernal.

Descobri que ela não queria entrar.

Dias depois, quando fazia a minha caminhada por uma trilha coberta de árvores, parei numa fonte para beber um gole d’água.

Quando terminei, senti que estava sendo observado. Olhei para os lados, nada. Mas, quando levantei a cabeça para olhar o Sol, lá estava a Sabiá da janela, firme e imponente, equilibrada no galho seco de um eucalipto.

Seu olhar estava calmo, diferente do primeiro dia em que a ví. Seus olhos pareciam tristes, mas sorriam.

Lembrei-me do livro de Françoise Sagan, "Bom dia, Tristeza".

Falei um "oi".

Não se moveu. Apenas me olhava. Voltei para casa.

Um plano maquiavélico invadiu a minha cabeça. Iria pegar aquela Sabiá com um alçapão. Dentro dele, como chamariz, colocaria "waffles’, aquela panqueca canadense. Os pardais adoravam aquela massa.

No amanhecer do dia seguinte, quando ouvi o barulho no vidro, fui até a janela, e coloquei a armadilha com os pedaços de "waffles" dentro. Voltei para dormir.

Um enorme pesadelo me acordou . Suava frio.

Quando bebia um café, escutei o pio dilacerante de uma ave. Gelei. Lembrei da armadilha.

"Meu deus! Ela caiu lá dentro."

Corri para a janela, e lá estava ela atrás das grades. Peguei o alçapão, e levei para a mesa da sala de jantar.

Olhos espantados, olhava para mim, parecendo ainda não estar entendendo nada. E foi então que eu lí o seu olhar pela primeira vez. Ela me perguntou:

"Consegue ler o meu olhar ?"

"Sim", respondí.

O emocionante mundo virtual havia me levado à loucura. Falar com uma Sabiá era o ponto mais alto que eu poderia ter chegado. Precisava urgente destruir o meu computador.

"Eu sou a nicka que você largou, dizendo que não saberia viver com a mulher que mais estava amando em toda a sua vida."

"Você é a {paSSarinha_sorridente} ?"

"Agora sou a {paSSarinha_triste}."

"E você pode virar mulher novamente ?"

"Posso..mas não aqui...só quando voltar para o meu computador."

"Tente aqui ... por favor."

"Não posso! Continuo com os mesmos problemas...sou prisioneira do meu computador. E quando estou lá, sinto muito a tua falta. Você me dá ânimo para que eu continue vivendo,e voando no mundo Real. Fiquei muito triste por me ter deixado."

"Eu não deixei você...apenas saí da tua vida. Aliás, porque caiu no alçapão, se sabia que iria ficar prisioneira ?"

"Eu adoro ‘waffles’, lembra-se ?"

"Eu não sabia que era você."

"Mas você sabe que toda passarinha adora ‘waffles’", disse ela sorrindo, com os olhos elétricos.

Eu estava triste, mas dei um sorriso.

"Vou solta-la, mas antes queria te acariciar, sentir a suavidade do seu corpo. Estou tenso. Você é maravilhosa."

Coloquei-a na palma da mão, ela me olhava, uma lágrima escorregou pelos seus olhos, me deu um beijo, e disse:

"Vou embora, mas foi muito bom sentir as tuas mãos em cima de mim. Nunca esquecerei. Você é o sopro da minha vida. Sabe o que eu mais gostaria que acontecesse?"

"O que ?"

"Ao chegar lá no meu computador, encontrar um e-mail teu, com as seguintes palavras..."

E com os olhos mais lindos do mundo, completou:

"- EU TE AMO ! Quero ficar com você para sempre."


O autor, Wilson Gordon Parker, é escritor

WILSON GORDON PARKER
wgparker@oi.com.br
Nova Friburgo (RJ)

2 comentários:

Silvia disse...

A palavra e a poesia são frutos da alma sensível.
A sensibilidade com certeza mora nesse peito, meu amigo.
Linda crônica, emoldurada por um vídeo delicado.
Amo a natureza, amo os animais. Eles não ensinam a viver em maior plenitude. É só entender o que eles têm a nos dizer, assim como você escreve em seu texto.

Ninótchka disse...

Todos sonham com um pássaro encantado, aprisionando um corpo de mulher-homem, que num efeito mágico , cheio de amor correspondido, desencanta e transforma nossas vidas....Achei meu pássaro e tb me desencantei há exatos 22 anos...Uns dizem ser alma gêmea, nem sei ao certo como definir um sentimento....mas o teu lindo "conto-crônica", traduz aquela grande verdade : "Amar é deixar livre aquilo/quem se ama"...Beijos e uma semana cheia de luz!!!