domingo, 6 de setembro de 2009

“O SONHO, O DIA E A NOITE DE JOÃO COMBRAY” - O Sonho



Primeiro capítulo : O Sonho

Naquela casa de esquina estava acontecendo algo.Talvez uma festa ou coisa semelhante. Alí morava o seu avô. Lá estavam quase todos. Olhavam-no de uma forma estranha. Não entendia. Pensando bem, nada daquilo lhe importava.

Ou seria imaginação sua? Estaria ficando com complexo de perseguição? Um dos seus primos embalançou a cabeça para a esposa. Continuou andando pela imensa sala, que parecia nunca terminar. Teria um ponto final? Sua tia falou algo. Parecia estar surdo. Ela tentou dar-lhe um beijo, aproximando sua face de seu rosto, olhando-o fixamente.
Ela queria cheirar a sua boca. Nada havia bebido. Também procurava algum sinal de tóxico em seu olhar. Combray ficou com raiva.

Subitamente, ao vêr o início da escada, começou a recuar.

Fugia de alguma coisa? Não sabia. Esbarrava em todos, parecendo estar sem controle. O corpo não obedecia a mente.

Agarrou-se numa coluna da sala, em torno da qual girou durante um longo tempo, só parando quando colidiu com o duro corpo de sua avó. Escorregou, perdeu o equilíbrio e caiu no chão.

Rolando, foi parar no sopé da escada. Fêz um tremendo esforço para levantar. Tudo rodava. Sentiu medo de olhar para a estranha figura que estava degraus acima. Cambaleava. Sua avó o amparava com um dos seus braços, enquanto com o outro fazia estranhos sinais para os presentes.

Aos poucos, recobrava os sentidos. Quando seus olhos começaram a visualizar o ambiente, se deu conta que ninguém mais prestava atenção nele. Ficou estático no meio daquilo tudo.

Uns jogavam cartas, outros bebiam, alguns dançavam ao som de uma estranha música, todos falavam das vidas passadas.

Subitamente ele pensou que estava ficando doido. Mas era verdade. Um parente elitista dançava com a cozinheira.. Ele sorria alegremente, e parecia muito feliz.
Alguém estava no chão com o cachorro de sua tia, tendo este dado uma gostosa “mijada” na sua linda blusa. Outros discutiam política. Falavam sobre o presidente Washington Luis, Getúlio Vargas e os atuais Lula, Ciro, Serra e muitos outros.

Quando estava saindo,uma estranha força começou a puxa-lo para trás. Resistiu ao máximo, mas foi subjugado. Entregou-se. Estava correndo de costas, bem no meio daquele turbilhão familiar. Reparou que estava sendo umpulsionado em direção a escada. Esbravejou alucinadamente, e, quando estava a poucos metros dela, foi agarrado pelo braço. Quando se virou, parecia estar levando um soco na boca do estomago, tal foi a sua surpresa.

Não era possível. Estaria sonhando?

O seu avô o olhava calmamente, com aquele olhar profundo e penetrante, sempre atento aos mínimos detalhes. No entanto isto era impossível, porque ele estava morto. Não conseguia falar nada. Mudo, completamente mudo. Seu avô carregou-o até o piano, sentou-se, e começou a tocar uma linda sonata. Era maravilhosa. Sorria placidamente, passando a mão sobre sua testa, retirando as gotas de suor.
Combray ficou espantado, pois além do avô estar morto, quando vivo, nunca havia tocado piano em sua vida. Só tocava flauta.

Seu irmão aproximou-se, e quando por brincadeira tocou em uma das teclas, tudo desapareceu. Segundos depois o ambiente ressurgiu. Olhou em volta. Algo estranho acontecia.

Todos haviam se transformado em estátuas. A situação, apesar de trágica, era hilariante. Uma das suas tias foi paralizada quando engolia um pastel. Seu parente beijava a cozinheira na boca, um primo olhava o relógio, um tio avarento contava furtivamente o dinheiro que tinha no bolso, enfim, todos mantinham uma aparência sobrenatural.

Somente ele e seu avô tinham os movimentos normais. Um estranho barulho parecia sair da escada. Instintivamente voltou o olhar em direção a mesma.
Ficou paralizado. Sentiu que também havia se transformado em estátua, mas ainda podia mover os olhos.

O piano desaparecera, dando lugar a uma linda flauta, da qual o seu avô extraia uma suave melodia. Vagarosamente foi movendo o olhar em direção à base da escada, acompanhando, aos poucos, os seus degraus. Sentia que aquela coisa podia se mover.
Um desespero tomou conta de todo o seu ser. Estava mais gelado que uma estátua verdadeira. Tentou recuar o olhar. Não conseguia. A coisa descia, produzindo um tremendo ruído nos degráus de madeira. Estava pralizado.

Seu avô falou “Nunca olhe para trás quando começar a olhar para a frente, mesmo que o começo o deixe tímido e amedrontado. Siga sempre em frente. Não pare”.

A sala transformou-se. Todos adquiriram vida e começaram a correr em direção a escada. Era uma verdadeira loucura. Estava sendo empurrado. Tentava encontrar seu avô no meio daquele pandemônio todo. Não conseguia. Sentiu os degraus. Estava aterrorizado. Subia. Já não percebia mais nada. Não reconhecia mais aqueles rostos. Todos estavam mascarados.

Finalmente chegara ao topo, e exausto jogou-se no solo. Após algum tempo, moveu a cabeça levemente para a frente. Estava ofegante. Vislumbrou o banheiro. No lado direito, duas portas fechadas, e no esquerdo, mais duas, sendo que uma encontrava-se aberta. Foi se arrastando até lá. Dentro do quarto, uma espessa neblina começava a se dissipar. Firmou os olhos. Era estranho. O seu coração começou a pular. Disparou. Deu um salto para trás.

Inacreditável ! Aquele era o quarto de sua mãe, mas ele encontrava-se na casa do seu avô. Lembrou-se das palavras dele.

Respirou fundo, e vagarosamente penetrou naquele aposento tão familiar. Em cima da estante, um globo terrestre, iluminado, rodava vagarosamente. Seriam os dias mais ou menos longos?

Livros recheavam as prateleiras. Um leve cheiro de intelectualidade dominava o ar. Seria seu pai um gênio e sua mãe a última verdade? Dentro dele, alguma coisa tremia. Algo iria acontecer. Tinha certeza. Ficou em guarda. Subitamente, a porta bateu. Correu. Tentou achar a maçaneta, mas ela havia desaparecido. Trancado.
Alguém bateu na porta.

Combray não sabia se estava acordando ou se tudo aquilo era uma espécie de realidade virtual.

Um suór frio banhou o seu corpo. Olhou em volta, descobrindo que uma das janelas estava aberta.

O telefone tocava.

A seguir o segundo capítulo : O Dia.


O autor, Wilson Gordon Parker, é escritor

Um comentário:

MoniQuinha disse...

Depois de ler tudo, me deu vontade de encostar tua cabeca no meu ombro e te abracar....